Com a queda do Império Romano,
conquistado pelos povos bárbaros, surge a arte românica entre os séculos XI e
XII, semelhante a dos antigos romanos. As cruzadas, movimento militar de
caráter cristão teve como objetivos colocar a Terra Santa sob o comando dos
cristãos. Em consequência disso a Igreja se tornaria a responsável pela
unificação da Europa. Passaria a controlar o pensamento e a vida cotidiana das
pessoas.
A história de Portugal enquanto
nação surge justamente nesse período. Do antigo Condado de Portu-Cali é que
surge no século XII, ano de 1100 d.C., o Reino de Portugal. O portugês é uma
língua em formação, chamado pelos linguistas de galaico-português, proto-língua
que dará origem ao galego, na região da Galiza, e ao português em Portugal. É
em galeico-português que se encontram escritas as primeiras composições poéticas
de Portugal.
A CANTIGA DA RIBEIRINHA: esse é o texto mais antigo encontrado
composto em português. A data mais aceita para sua composição é 1198, o autor é
Paio Soares de Taveirós, provavelmente de origem galega. A coposição é uma
cantiga de amor feita para Maria Pais Ribeiro – a Ribeirinha, que era amante de
D. Sancho I.
S. Spina, ao analisar a produção
literária portuguesa dos primórdios de sua história afirma:
“Não podemos compreender a
floração literária desta primeira época – que é exclusivamente poética até pouco depois do reinado de D. Dinis
(1340) – se não procurarmos integrá-lo dentro de uma moldura não só peninsular,
mas principalmente latino-medieval.”.
Isso significa que a poesia produzida nesse primeiro momento, entre os
séculos XII e XIV, em Portugal faz parte de um contexto histórico e cultural
que excede os limites da Península Ibérica, da qual Portugal faz parte. Ao
findar o Império Romano, os vários focos
que constituem uma poética românica começam a ganhar características locais,
mantendo, no entanto, resquícios de uma cultura geral qu foi a Românica. S.
Spina cita quatro dessas que ele chama de “forças poéticas do hemisfério
românico”, a saber:
a) O
movimento lírico do Sul da França – a chamada poesia provençal;
b) A
floração lírica do Minnesang na Alemanha;
c) A
poesia dos trovadores do norte da Itália;
d) A
poética dos árabes da Andaluzia;
Tanto a Região da Galiza quanto no Norte de Portugal, mais
especificamente em Santiago de Compostela, vai se firmar uma poesia que tem
nesses focos literários as suas raízes.
Há, todavia, em Portugal, uma produção literária de origem nativa,
própria do galego e do lusitano, são as chamadas cantigas de amigo. Essas
produções líricas remontam períodos antes de Cristo.
AS CANTIGAS DE AMIGO: nesse
tipo de canção o eu-lírico é feminino, apesar de serem compostas por trovadores
masculinos, são expressões da vida campesina e urbana, “nestas os seus autores
permanecem fieis à tradição poética da primitiva România, em que a mulher era o
agente e o tema dessa poesia.”.
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Texto original de uma cantiga de trovadoresca |
CARACTERÍSTICAS
A mulher: tanto na Galiza quanto em Portugal a mulher
era representada pelas meninas casadoras, que sofrem de saudades pelo amigo
(amante) que fora combater o mouro invasor.
O doce realismo:
a) A
vida no campo, com todas as sugestões da natureza;
b) A
vida burguesa e o ambiente doméstico, representado sobretudo pelas relações com
a mãe e as irmãs mais velhas;
c) Pequenos
dramas e situações da vida amorosa das donzelas.
Imagética e temática
a)
As árvores, as fontes, os cervos do monte, os
rios e o mar;
b)
As despedidas ou encontros de regresso com o
amigo (amante);
c)
A mãe severa e vigilante.
d)
As mil e uma conjeturas sobre o atraso do amado;
e)
As reuniões festivas à frente das igrejas;
f)
As romarias;
g)
Os presentes oferecidos pelo namorado;
h)
Um suave saudosismo – a saudade
galego-portuguesa.
S. Spina propõe uma classificação a essas cantigas conforme o assunto
abortado. Dessa forma tem-se:
a) CANTARES DE AMIGO EXCLUSIVAMENTE AMOROSOS: em
que a donzela nos narra a separação do amigo e as circunstâncias que envolvem a
partida. Veja o exemplo.
amiga, bem sei do meu amigo
que é mort’ ou quer outra dona bem,
ea nom m’envia mandado, nem vem,
e quando se foi, posera comigo
que se veesse logo a seu grado,
senon, que m’enviasse mandado.
A mim pesou, quando s’ ia,
E comecei-lhi enton a preguntar:
Cuidades muit’ amig’ Alá morar?
E jurou-me El par santa Maria
Que se veesse logo a seu grado,
Senon, que m’ enviasse mandado.
U estava comigo falando,
dixi-lh eu: que farei se vos non vir,
ou se vosso mandado non oír
ced’? enton jurou-me el chirando
que se veesse logo a seu grado,
senon, que m’ enviasse mandado.
(SANCHO SANCHEZ –clérigo de origem galega, deve ter vivido
entre os reinados de Fernando III e Afonso X)
b) CANTARES DE ROMARIA: em que a donzela
convida companheiras, a irmã ou mesmo a mãe, para peregrinação a santuários,
importantes pontos de referência para encontros e bailados.
Mia irmana fremosa, treides comigo
A La igreja de Vig’, u é o mar
levado
E miraremos lãs ondas!
A lá igreja de Vig’, u é o mar
salido,
E verrá i mia madr’ e o meu amigo:
E miraremos las ondas!
A La igreja de vig’, u o mar levado,
E verrá i mia madr’e o meu amado:
E miraremos las ondas!
(MARTIM CODAX – jogral da época de Afonso III, Martim Codax
parece haver participado. Se caracteriza por um delicioso primitivismo poético
)
c) PASTORELAS: nas quais o ambiente é
rústico, não palaciano como na cantiga de amor, há nela a presença da pastora.
Oi oj’eu ua pastor cantar,
Du cavalgava per ua ribeira,
E a pastor estava i senlheira,
E ascondi-me póla ascuitar,
E dizia mui bem este cantar:
‘So ló ramo verde frolido
Vodas fazen a meu amigo,
e choram olhos d’amor”.
E a pastor parecia mui bem
E chorava e estava cantando;
E eu mui passo fui mi-achegando
Póla oír, e sol non falei ren;
E dizia este cantar mui bem:
“Ai estorninho do avelanedo,
cantades vós, e moiro e peno,
e d’amôres hei mal!”
E eu oi-a sospirar enton,
E quixava-s’, estando com amôres,
E fazi ua guilarnda de flores;
Dês i chorando mui de coraçon
E dizia este cantar enton:
“Que coita hei tan grande de sofrer!
Amar amigo e non o ousar veer,
E pousarei so l’avelanal”.
Pois que a guirlanda fez a pastor,
Foi-se cantand’, indo-s’ em
manselinho
E tornei-m’ eu logo a meu caminho,
Ea de nojar non houve savor
E dizia este cantar bem a pastor:
“Pela ribeira do rio cantando
Ia La virgo d’amor: quem amôres
Há como dormirá, ai bela frol!”
(AIRAS NUNES, de SANTIAGO – também clérigo como Sancho
Sanches, foi dos mais notáveis do seu tempo)
d) BAILADAS: que versam o tema da dança e
os incidentes sentimentais que ela suscinta.
Bailemos nós já todas três, ai
amigas,
So aquestas avlaneiras frolidas,
E quem for velida, como nós,
velidas,
Se amigo amar,
So aqestas avelaneiras frolidas
Verrá bailar.
Bailemos nós já todas três, ai
irmanas,
So aqueste ramo destas avelanas,
E quen for louçana, como nós,
louçanas,
Se amigo amar,
So aquesto ramo destas avelanas
Verrá bailar.
Por Deus. Ai amigas, mentr’al non
fazemos.
So aqueste ramo frolido bailaremos,
E quem bem parecer, como nós
parecemos
Se amigo amar,
So aqueste ramo so l[o] que nós
bailemos
Verrá bailar.
(AIRAS NUNES, de SANTIAGO)
e) BARCAROLAS OU MARINHAS: cujo temário é
extraído da vida marítima.
Per ribeira do rio
Vi remar o navio,
E sabor hei da ribeira.
Per ribeira do alto
Vi remar o barco
E sabor hei da ribeira.
Vi remar o navio:
I vai o meu amigo,
E saor hei da ribeira.
Vi remar o barco:
I vai o meu amado,
E sabor hei da ribeira.
I vai meu amigo,
Quer-me levar consigo,
E sabor hei da ribeira.
I vai o meu amado,
Quer-me levar de grado
E sabor hei da ribeira.
(JOÃO ZORRO – deve ter vivido a serviço de El-Rei D. Afonso
II)
ESTRUTURA DAS
CANTIGAS DE AMIGO: é um tipo simples, folclórica, composta para recitação
em coral, versos parelhados na forma e no conteúdo, seguidos de refrão. É a
chamada estrutura paralelística.
No ano de 1290, o rei trovador português, D. Dinis, criou a
universidade Portuguesa. Esse fato foi importante porque é partir daí que essa composição jogralesca
começa a entrar em declínio. Em seu
lugar vai surgindo um tipo de produção mais culta surgida na Região da
Provença,no Sul da França, é a cantiga
de amor.
A CANTIGA DE AMOR: composição
em que o eu-lírico é masculino. Tem sua origem no ambiente refinado da corte.
S. Spina assim define esse tipo de produção:
“Os cantares d’amor, de procedência provençal, refletem um
estilo de vida diferente: constituem um retrato da vida feudal da corte,
portanto expressão de um meio culto, refinado, comprometida pelo convencionalismo
da vida palaciana e com evidentes influencias da cultura clássica.”
FORMA: temos portanto um tipo de
composição mais refinado do ponto de vista formal. Não há na cantiga de amor a
estrutura paralelística encontrada na cantiga de amigo, nem o refrão
jogralesco.
TEMÁTICA: há uma constância no tema, o que pode deixar a
leitura dessas cantigas um pouco monótona. Seu tema gira em torno da coita
amorosa. O sofrimento do homem por ser amor incorrespondido por uma mulher,
geralmente uma dama da corte casada. A mulher é vista de forma idealizada, é um
ser inatingível. O trovador sente prazer nesse pesar. Essa característica da
poesia primitiva portuguesa do século XV vai servir de base para a produção
poética do século XVI, sobretudo no lirismo amoroso de Camões.
A cantiga
de amor torna-se oficial em Portugal, uma vez que recebe a proteção real,
sendo, muitas vezes, o próprio rei um trovador.
CARACTERÍSTICAS:
·
Amor inabordável e incorrespondência da mulher;
·
Vassalagem amorosa;
·
A sensação de que o amor é uma prisão;
·
O objeto amado visto como uma fortaleza que deve
ser assediada para rendição;
·
A ideia de que o drama sentimental tem causa e consequência
mediatas e imediatas;
·
Um conjunto de fórmulas estilísticas e outros
aspectos da concepção amorosa;
·
A análise do drama amoroso é mais profundo e o
requinte artístico mais procurado;
CANTIGA
DE AMOR
Vós
me defendestes, senhor,
Que
nunca vos dissesse ren
De
quanto mal mi por vós ven,
Mais
fazendo-me sabedor,
Por
Deus, senhor, a quen direi
Quam
muito mal [lev’ e] levei
Por
vós, s non a vós, senhor?
Ou
a quen direi o meu mal,
Se
o eu a vós non disser?
Pois
calr-me non m’ é mester
E
dizer-vo-lo non m’ er Val.
E,
pois tanto mal sofr’ assi,
Se
com vosco non falar i,
Por
quen saberdes meu mal?
Ou
a quen direi o pesar
Que
mi vós fazerdes sofrer,
Que
mi vós non fôr dizer,
Que
podedes conselh’i dar?
E,
por em, se Deus vos perdon,
Coita
dêste meu coraçon,
A
quen direi o meu pesar?
(D.
Dinis – trovador rei de Portugal)
AS CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER: fugindo
a regra das composições líricas, quer seja nas cantigas de amigo ou nas
cantigas de amor, há outro tipo de composição poética nesse período, cujo
objetivo é tecer uma crítica falando mal ou escarnecendo publicamente alguém.
Veja
abaixo a mais famosa dessas canções de escárnio e maldizer
Ai dona
fea! Fostes-vos queixar
Porque
vos nunca louv’em meu trobar
Mais
ora quero fazer un cantar
En que
vos louvarei tôda via
E vêdes
como vos quero loar:
Dona
fea, velha e sandia!
Ai
dona fea! Se Deus me perdon!
E pois
havedes tan gran coraçon
Que
vos eu loe em esta razon,
Vos
quero já loar tôda via;
E vedes
qual será a loaçon :
Dona
fea, velha e sandia!
Dona
fea, nunca vos eu loei
En meu
trobar, pero muito trobei;
Mais
ora já un bon cantar farei
En
que vos loarei tôda via;
E direi-vos
como vos loarei:
Dona
fea, velha e sandia!
(JOÃO
GARCIA DE GUILHARDE)
Esse período é chamado de trovadorísmo, do verbo trovara que significa cantar. Não havia ainda separação entre a poesia e a música. As composições, cantigas, eram feitas para serem cantadas.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
SPINA, Segismundo – PRESENÇA DA
LITERATURA PORTUGUESA – Era Medieval
Reis, Eliana Vilela dos – Manual Compacto
de Arte / 1ª Ed. São Paulo: Rídeel, 2010
OBSERVAÇÃO:
essa e outras postagens de análise literária estão disponível no link ANÁLISES
LITERÁRIAS.